domingo, 28 de fevereiro de 2010

Lobo, o Sócrates - Capítulo 3

O lobo que tanto impressionava os seus iguais tivera uma modesta origem, de uma loba normal, sem mérito ou realce de maior. A modesta criatura contentava-se com pouco: um ossito aqui, uma carcaça carcomida e vetusta ali! O coitado do lobito, que nascera guloso e assim permanecera, ficava constantemente desolado com o parco jantar que recebia! Ainda hoje se lembra, amargo, daquela vez que a mamã lhe trouxera algo que a custo se identificaria com uma osga, negra e ressequida, provavelmente morta há meses e que, surpreendentemente – ou talvez não! – nem as formigas ou carochas lhe deitaram o olho nem com a mais vã curiosidade! Não fosse o seu sabor a lama e a terra, e aquilo ter-lhe-ia sabido tão maaaaal! Estava mais que certo disso!
Crescera a ver a outra bicharada com alimento certo e basto, e num calor familiar que não era só o aconchego da toca ou do ninho que o garantia: o permanente palrar, crocitar, regougar ou simples chiar eram prova bastante de calor familiar durador! Ah, os passarocos constantemente alimentados, asseados e mimados tanto pelo pai como pela mãe, enquanto, no seu caso, do pai nem sabia o nome! Sabia quem ele era, via-o de relance ao longe, na vasta mata, mas nem ousava aproximar-se, com medo de ser mal acolhido: por alguma razão ele não o quisera por perto desde que nascera!E assim foi desenvolvendo um instinto inseguro a seu respeito, sentindo-se mais miserável, pobre e desamparado que os outros! A velha da mãe só se ralava com a comida, a limpeza do recanto onde habitualmente se acolhiam, e em pouco mais pensava, a coitadinha! Horizontes magros para um lobinho que ia crescendo, invejando a alegria que imaginava os outros possuirem. . .

PORTFÓLIO (NÃO TÃO DIÁRIO ASSIM!) - V


Arzach

Arzach é um verdadeiro caso de um livro-culto, aliás como acabaram por ser outros, do mesmo autor: Moebius, pseudónimo (heterónimo?) de Jean Giraud. Na verdade, Giraud já tinha uma extensa e gloriosa carreira assinando "Gir", sobretudo com a fabulosa série "Blueberry", com histórias de Jean-Michel Charlier. De episódio a episódio o desenhador aprimorava o seu estilo, inovava, experimentava, progredia num prodígio gráfico e visual, coisa possível de ser avaliada por qualquer leitor mais ou menos atento. Rápidamente foi possível constatar que era um génio em crescendo, um virtuoso atento às técnicas da sua arte, técnicas essas que ele mesmo muitas vezes inovou em conceitos e grafismos verdadeiramente revolucionários! Curioso e constatar actualmente, que esse autor já septuagenário ainda não se cansou de nos surpreender, enchendo-nos os olhos com desenhos e cores de uma beleza, cor e elegância absolutamente sem igual! Como dizia uma vez Giardino, outro artista italiano de grande qualidade: "Nós (seus colegas), temos um talento, maior ou menor. Mas ele é diferente, é um extraterrestre!". Embora este depoimento revele mais entusiasmo que rigor artístico, subscreve o que muitos apreciadores sentem ao ter nas mãos os livros de Gir/Moebius!

Quando assina "Moebius", o autor liberta-se da carga documental e avança sobretudo com a pura intuição e instinto narrativo/visual, aparentando pouca ou nenhuma reflecção! Naturalmente, isso é apenas aparência, visto não haver artista algum, sobretudo se for bom, o que é o caso! que não faça apurada e permanente reflexão sobre o seu trabalho, mesmo que o faça de um modo inconsciente... Outra característica de Moebius é a opção de centrar os seus temas num ambiente de Ficção Científica, o que faz quase sem excepção. Assim pode dar largas à sua imaginação, inventando mundos, quer civilizados ou não, guarda-roupas para personagens, criaturas, animais, mutantes ou paisagens visualmente fabulosas.

Possuo duas edições de Arzach: a primeira, de 1978, e uma mais recente e mais "completa", de 2000.

A primeira, mais sucinta e incluindo "apenas" os episódios ARZACH, HARZACK, ARZAK e HARZACK, prima pela total ausência de texto, seja narrativo, onomatopaico ou outro, cum uma tímida excepção num pequeno balão de um figurante na última página. O segundo livro acrescenta, além de um útil prefácio do autor, a história "La Déviation" que, méritos à parte, nada tem a ver com o conteúdo do livro, além de uma BD também do ciclo Harzach que o autor tinha deixado incompleta - e que terminou para a presente edição, presume-se - embora não valorizando em nada o trabalho no seu geral e, finalmente, uma nova história, de novo intitulada "Arzach", onde os textos reinam profusamente, conferindo-lhe um ar muito apócrifo!

Prefiro, por todas as razões, a primeira edição! mais sucinta, "completa", "fechada". O meu exemplar tem o autógrafo "sucinto" do autor.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Pastiches - Tintim (2009)

Não considero que seja a minha especialidade mas por vezes é-me pedido que faça um pastice, geralmente em edições (fanzines) colectivas, onde cada um terá a sua versão, mais ou menos feliz, de um personagem ou tema... Neste caso o "alvo" foi Tintim e confesso que, até à data, foi o mais feliz dos pastiches que fiz: não apenas tenho uma adoração particular por Tintim como acho que visualmente e temáticamente me saí bem... Estejam à vontade para opinar!

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Lobo, o Sócrates - Capítulo 2

OS AMIGOS DO LOBO



Na tal floresta há um ditado que versa o seguinte (a ver se me lembro como é:) - "Lobo é amigo de lobo! Coelho é amigo de coelho"! Poder-se-ia acrescentar uma infinidade de outras possibilidades: "Caracol é amigo de caracol" , "gralha é amiga de gralha" etc, etc, etc... Mas não interessa: desde que se lhe apanhe o sentido, o ditado funciona! E este refere simplesmente que somos amigos de quam mais se parece connosco, ou de quem mais nos interessa que nos assemelhe! É claro que não se recomenda a uma perdiz que tente parecer-se com um lobo: não lhe está bem na pele e o resultado só poderia ser mesmo o pior!

Pois bem, todos os lobos pretendiam ser amigos de um certo lobo, porque o consideravam o mais feroz, poderoso, dominador da floresta! Sendo amigo - e colaborador - dele, pareciam mais que garantidos os melhores quinhões, os mais apetitosos petiscos, os mais solarengos locais para habitar! E por isso entre a alcateia todos se entusiasmavam sonhando com uma proximidade maior com o referido lobo! Uns contavam faze-lo com boas conversas, discursos lisonjeiros e apelativos! Outros, planeavam chegar-se perto dele ofertando-lhe pedaços de suas recentes caçadas, peças por vezes inteiras ainda mornas de captura de horas atrás, traziam-lhe água fresca de ribeiros que nem ficavam longe, mas mesmo assim prestavam-lhe o favor de a trazer a seus pés! Pés esses que, para alguns, eram susceptíveis de serem deliciosamente lambidos, enquanto outros haviam que sonhavam com a sua autorização para que o deixassem catar pulgas, piolhos e carraças, o que desejavam fazer minuciosamente, bicho a bicho, com mil cuidados! Finalmente, havia umas - e uns! - que sonhavam servi-lo com o seu corpo, tremendo só de imaginar que não estivesse à altura do seu gosto, ou por serem magros, ou gordos, ou coxos, zarolhos ou simplesmente remelosos!

Era ver aquela alcateia toda suspirante, encolhendo os ombros ou sacudindo-se, revelando um nervosismo patente nas suas expressões! Uns ganiam e gemiam, não conseguindo imaginar como oseduzir ou encantar, inseguros pelas suas fealdades ou falta de imaginação! Outros apresentavam um ar sonhador, esboçando sorrisos que só eles não sentiam ser patetas! E era vê-los, quando a sombra do tal lobo passava por eles! Uma loba de meia idade, contava-se, desmaiou mesmo, por essa mesma sombra a ter coberto parcialmente!

Esta alcateia estava mesmo no mais completo desatino!

PORTFÓLIO (NÃO TÃO DIÁRIO ASSIM!) - IV


terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Alix L'Intrepide



Teria eu uns 17, 18 anos quando comprei este livro, num alfarrabista lisboeta. Trata-se da primeira edição desta obra, a primeira aventura de Alix, herói de Jacques Martim, Éditions du Lombard, 1956. Ou seja, saiu pouco depois de a aventura do jovem herói galo-romano ter saído nas páginas da ainda muito jovem revista Tintin, na Bélgica.
Jacques Martin sempre se mostrou muito amargo quanto ao facto de Hergé não se ter mostrado nada entusiasmado quanto à inclusão do seu trabalho na revista. e isso acabou por suceder apenas por falta de outro material novo; mesmo assim, o sucesso de Alix foi, ao que parece, imediato. É, no entanto, fácil dar razão ao autor de Tintin: tanto o desenho como a narrativa da obra em causa deixava muito a desejar, com imagens algo primárias, com recitativos e diálogos longos e redundantes, personagens muito rígidas e inexpressivas....
Numa segunda versão (também possuo a primeira edição desta!), nos anos 70 do século passado, as cores foram melhoradas, os textos revistos e a capa foi totalmente redesenhada, mesmo que segundo o modelo da anterior. Contudo, é um livro que dá pouco gosto de ler!
O exemplar desta primeira edição que possuo está num estado longe de ideal, tem rasgões vários e suspeito que uma página - em branco - lhe falte. Não impede, todavia, que numa sessão de autógrafos em 1990, na Livraria Bertrand, em Lisboa, o autor me tenha mostrado uma expressão viva, sugerindo o seu grande valor e raridade; para seu espanto, pedi-lhe que desenhasse no livro o inimigo de Alix nas suas aventuras iniciais, o pérfido grego Arbacés!

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Lobo, o Sócrates - Capítulo 1

Era uma vez uma floresta à beira mar plantada! Mas não era uma floresta como as que os meus amiguinhos estão habituados a ver, ou a imaginar!
Esta, só era frondosa e verdejante em alguns pontos, esparsos e dispersos, difusos e confusos! Em muitos cantos, recantos, áreas inteiras, só se via ou poeira, rochas e rochedos, ou arbustos raquíticos como que entrelaçados uns nos outros, numa extensão vasta! Crises graves iam assolando o terreno: aqui eram inundações, ali, falava-se de secas, haviam incêndios, epidemias, pandemias e outras arrelias! De maneira que a bicharada que por ali havia nem conseguia pensar em muitas coisas, a não ser nas suas famílias, como as alimentar e manter em lugares seguros…
É claro que, como em todas as florestas, uns bichos são mais fortes que outros, uns mandam, outros não mandam! Quer a Lei da floresta que os que não mandam obedeçam e paguem tributo aos que mandam, e assim foi e será desde sempre e para sempre.
Quem mandava nesta floresta (e ainda manda!) é o lobo Sócrates! Imaginem um bicho de mau pelo, possante e barulhento, que se faz ouvir em toda a floresta bastando para isso dar um passinho que fosse! Mas ele não se limitava a isso, e movia-se, todo feliz e muito à-vontade por todo o território! Por isso o ruído que causava era tanto, que era difícil um bicho que fosse não pensar nele um segundo! E todos o temiam! O lobo Sócrates tinha imaginação – ou dizia que tinha! – e isso tornava-o instável, sempre em plena actividade, para seu conforto e para desconforto dos outros!

Nesta longa fábula iremos contar as histórias deste bicho mau, tão mau que só o podiam achar mau, à sua volta! Recomendo que os meus amiguinhos apenas a leiam de dia, para que à noite não tenham pesadelos e façam chichi na cama!
(Continua)

PORTFÓLIO DIÁRIO - 3


quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

GALERIA DE ARTE (1) - Franquim

Uma nova rúbrica, onde mostro originais e raridades que me foram presenteadas por artistas que admiro; neste primeiro, uma verdadeira pérola: um marsupilami, de André Franquim. Tinha eu 20 anos (1980!) e escrevi-lhe uma carta, num francês tímido mas que de algum modo o tocou, visto que na volta do correio recebo isto! Gosto de poder dizer, graças a esta imagem, que possuo um verdadeiro marsupilami! A série Spirou foi a primeira que coleccionei, e comecei logo - a conselho do meu pai, que era conhecedor - por comprar o álbum "Spirou et les Héritiers", que ainda tenho, e onde aparece este fabuloso animal pela primeira vez! Tantas e tantas vezes, em miúdo, que desenhei este personagem, ora copiando-o dos livros, ou inventando novas poses e expressões, sonhando um dia poder vir a fazer histórias dele!

PORTFÓLIO DIÁRIO - 2


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

PORTFÓLIO DIÁRIO - 1

Começo hoje a postar aqui imagens da minha lavra diáriamente - em princípio! - que não tenham forçosamente texto ou narrativa a complementar. Espero que gostem. Opinem!